O termo "análise de crédito" soa burocrático -- e
realmente não se pode dizer que essa seja a parte mais
estimulante para o mundo dos negócios. Mas o que pode
ser mais estratégico e delicado para um banco que
escolher criteriosamente as pessoas e as empresas a quem
vai emprestar dinheiro?
Para organizações como o BankBoston,
a análise de crédito faz parte do coração de sua
operação. Em setembro de 2001, a subsidiária brasileira
do banco abriu uma concorrência para escolher a empresa
que lhe forneceria um sistema capaz de automatizar todo
o processo de análise e de aprovação de empréstimos a
pessoas jurídicas no país.
Trata-se de um tipo sofisticadíssimo
de software. Analisa desde o balanço da empresa que está
solicitando o crédito até os cheques que ela ainda vai
receber de seus fornecedores. O objetivo é garantir não
só a rapidez da aprovação ou da reprovação do crédito
mas também reduzir, ao máximo, o risco de calotes.
Diante de tudo isso, pode-se imaginar a responsabilidade
colocada sobre os ombros do novo fornecedor do software.
Das 20 empresas que entraram na concorrência do
BankBoston -- entre elas, algumas das maiores companhias
globais de tecnologia, apenas quatro chegaram à fase de
apresentação dos projetos. Ao final de seis meses de
seleção, pintou a zebra: a paulistana SiaCorp, uma
empresa praticamente desconhecida, com 17 funcionários e
um faturamento de apenas 1,4 milhão de reais em 2001,
levou o contrato, deixando para trás poderosos
concorrentes como a IBM e a Unisys.
A SiaCorp faz parte de uma legião de guerrilheiras high
tech. A despeito de volume de faturamento, número de
empregados ou investimento em marketing, elas vêm
conseguindo conquistar contratos com grandes corporações,
embrenhando-se em atividades estratégicas de setores
altamente seletivos, como é o bancário. Estima-se que
existam 3 500 desenvolvedoras de software no país -- a
maioria delas, de pequeno porte (veja quadro na pág.
90). Juntas, elas respondem por quase 60% do setor de
software no Brasil, um mercado que movimentou 3,2
bilhões de dólares em 2000. A informação consta no
último levantamento da Secretaria de Política de
Informática (Sepin), do Ministério da Ciência e
Tecnologia.
Para entender como essas empresas conseguem disputar --
e muitas vezes ganhar -- espaço com grandes competidores,
é necessário compreender algumas de suas peculiaridades.
Estamos falando de empresas criadas literalmente a
partir de uma idéia na cabeça e um computador nas mãos.
Trata-se de um setor altamente pulverizado no mundo todo,
feito sob medida para pequenos empreendedores por não
exigir alto investimento financeiro para seu ingresso.
No Brasil, os fundadores das
formiguinhas high tech geralmente são jovens técnicos
formados pelas melhores universidades brasileiras e do
exterior. Gente disposta a investir tempo e conhecimento
num setor que ainda engatinha e que, portanto, oferece
tanto grandes oportunidades quanto grandes riscos. Cerca
de 53% das empresas nacionais de software foram criadas
nos anos 90. Um terço delas foi fundado entre 1999 e
2001, seguindo o fenômeno mundial de popularização da
internet, que fermentou o setor de alta tecnologia no
mundo inteiro.
Foi tentando aproveitar as oportunidades do novo mercado
que o carioca Alexandre Marinho decidiu escrever o
software Credit Flow, que está sendo implantado no
BankBoston. Marinho, de 40 anos, é engenheiro eletrônico
especializado em inteligência artificial pela
Universidade de Madri, na Espanha, e trabalha com
sistemas de análise de crédito há 15 anos. Sua função --
antes da criação da SiaCorp -- era costurar programas
produzidos por várias empresas americanas e adaptá-los
para seus clientes.
Dois pontos foram fundamentais para a idéia de escrever
um software completo por conta própria. O primeiro foi a
vontade de se livrar do pagamento de royalties, que
consumia boa parte de suas receitas. O segundo, e mais
importante: com o programa, Marinho poderia oferecer um
produto muito mais barato ao mercado e aumentar sua base
de clientes, vendendo-o a bancos de menor porte.
Antes de tirar a idéia do papel,
Marinho teve de tomar uma decisão importante. Saiu de
uma antiga sociedade em uma empresa que atuava em várias
frentes de automação bancária. "Percebi que estávamos
perdendo o foco", diz. "Acho que uma empresa pequena não
consegue fazer tudo ao mesmo tempo. É preciso se
especializar em um nicho."
Pelo menos até agora, o plano foi bem-sucedido. Seu
software já roda no Sudameris do Uruguai e nos banco
Alfa, Sumitomo e Mercantil de São Paulo. Na concorrência
do BankBoston, o preço da SiaCorp saiu por 60% da
proposta mais alta. Esse fator, entretanto, não foi o
decisivo para a escolha, segundo Ede Viani, diretor de
análise de crédito do banco. "O que mais pesou foi a
especialização dos executivos da empresa", afirma.
"Durante a seleção, eles mostraram que tinham um
conhecimento profundo, não só da tecnologia mas também
dos processos envolvidos no negócio."
.
Adaptado de artigo da Revista Exame, Julho de 2002